|

Cristiano Moreira



Escritor, editor, Professor de literatura e produtor cultural:
Nasceu em Itajaí em 24 de outubro de 1973. Filho de pescador, seu trabalho é permeado pelo imaginário rico das margens do Rio Itajaí-açu em Navegantes onde vive. Aos 14 anos trabalhava como ajudante de carpinteiro naval, ofício que, retrospectivamente, pode ser marcado como o início de sua poética.
Mestre em teoria da literatura com a dissertação “As voltas da teresa e a escritura da ausência”, sobre o tempo e a experiência  a partir do romance A rainha dos cárceres da Grécia (1978) do escritor pernambucano Osman  Lins, sob orientação da Profª Drª Ana Luiza Andrade; Vice líder do NEBEN- Núcleo de Estudos Benjaminianos (UFSC) que estuda teoria da modernidade e a filosofia do filósofo alemão Walter Benjamin.
Autor de Rebojo (Fpolis: Ed. Bernúncia, 2005) e O Calafate Míope (Navegantes: Papa Terra editora, 2009), Infância do Pife (Dengo Dengo Cartoneiro, 2011) e Retratos – Itajaí 150 anos (Papa Terra Editora, 2010). Possui ensaios publicados em revistas, anais de congressos e livros de crítica literária. É editor da Papa Terra editora além de ser um dos coordenadores do Projeto Contém Cultura do Instituto Caracol .





A mulher que vive perto do rio

a mulher que vive perto do rio foi presente
do mar num dia de  rebojo para os navegantes.

para as margens na foz do rio o dia ensolarado
correu para vê-la. e ao perseguir tão perto os poros

secou-lhe as muitas gotas de mar sobre o dorso.
o gesto solar secou o sal nas costas da mulher

ficou  no corpo da pequena, uma carta náutica
impressas em sardas, pequenas ilhas e sonhos

essa mulher quando caminha gira o mapa celeste
é o tempo a intempérie, arqui-pélago nômade

mora no sorriso que dissemina a cada segundo
movido por ondas ou dados em movimento

a mulher que vive perto do rio tem o princípio
do vento, das marés, da chegada e partida dos navios


o poema como fio de estopa
“Por que é que nunca param de escrever?
Não sei – Penso que escrevem por sofrer,
Vivem por dentro em vez de só viver”

Abgar Renault


O fio de estopa emaranhado,
estampa da lacuna e da memória
tece a historia sem fim da história.

O fio do poema estica o lastro
da pele que expande e nos finca
no agora da infância. Mudos
em uma fração de aurora moramos
no tempo do instante e quando
olhamos novamente sofremos.

O corpo inopera o solilóquio do tempo.

O fio do poema é o tempo gravado
inteiro no corpo, a palha de estofo
que estufa o espantalho vestido
à caráter para a viagem interminável
da lembrança. O fio de estopa esconde
que todos tem avacalhado novelo no peito.

Ninguém passa impune a infância.

O corpo todo retido na margem da pele
é conjunto de linhas, de fios que se falam,
se esfoliam e assim modificam o esboço.

O fio é fio ainda ao deixar de ser moço,
é fio ainda que o respiro pare e sobre
em outra memória nosso desenho tosco.


Lages
Fevereiro 2010.


l'object petit a


resta a gema no escuro geográfico do fundo
interior da rocha
da mesma maneira que o gesto é quase fenda
por onde acorda idéia
para logo em seguida morrer no dentro do olho
cave quase pedra
de onde verte o filete do rio comum e salobro
terra velha agora lama
emudecido onde fincamos os pés descalços
para alcançar o cesto
onde o peixe promete o segredo no olho baço
de tão morto neste mundo
de tão velho e vagabundo o olho do peixe
foge de qualquer cesto
que faça valorizar quem o captura seja rede
ou arpão nada muda
o mudo peixe sem brilho nas escamas já
arcadas sob o sol
lançado ao cais graças ao impulso dado pelas
rudes incontáveis  mãos
junto às gemas, gesta ou resta no interior do mundo
sem ser vista, ouvida
sem ser gesto ou cantiga épica, festa para
mulher distante bem aqui
sem ser vista como no interior da rocha






moribundo


moribundo,
ainda vago com a carta náutica na mão
no escuro

um braile mórbido dentro da  tormenta

meu remo é a palavra
tão leve quanto uma âncora
lançada ao lodo

na surda navegação
o aço desce à medula do mar

a clarabóia afunda no erro
erro, o erro do corpo

risco na carta um mapa – um rumo
a rota de um serrote dança no silêncio da carta
dentro da garrafa de carne,
garrafa de osso
corpo de vidro

a letra morta imersa no tempo
é o poema que chegará ao destino
como último gesto do corpo



talvez


talvez, antes.
quando iniciar o fogo, a incineração
a palavra que  chama.

o tempo; engana-se.
e o poema quem sabe parta
para outro lugar que não este.

pode ser, depois.
assim que a palavra arribar
e não nada sobrar, além da chama.

Posteado por Angela Barraza Risso el 10:37. etiquetado en: , , , . puedes segui el rss RSS 2.0. déjanos tu comentario

Comentarios recientes

Ultimas entradas